terça-feira, 7 de junho de 2011

datilografado

Era como em um teatro, escrito por mim já que você era o protagonista. E então fomos designados a representar certos papéis.
Olhos escuros, avermelhados, doces e que confusos me indicavam inúmeras direções. Lábios traçados firmemente que me pareciam tão próximos, mas também tão distantes e inalcançáveis que, quando sozinhos, me diziam coisas lindas, mas quando acompanhados me confundiam e eu não conseguia interpretá-los: se eram irônicos, sarcásticos ou literais. Braços tímidos e afáveis, um sorriso encantador. Plurais sintetizados em um singular completamente indecifrável para mim, completamente ambíguo, estranhamente apaixonante. Você.
Olhos nem tão claros, nem tão escuros. Sorriso às vezes brilhante às vezes amarelado. Braços e mãos atadas. Às vezes simpática às vezes ríspida. Às vezes objetiva, às vezes subentendida. Plurais perdidos, dispersos, cacos esparramados. Eu.
Você: alguém que eu repugnava, julgava ser fútil e desagradável. Alguém que eu deveria continuar odiando, alguém que tinha o papel de me iludir mesmo que sem querer. Alguém por quem eu, mesmo que contra todas as vontades e fatos, me apaixonaria, ainda assim racionalmente.
Eu (antes de você): racional, completamente desiludida, sem um fio de esperança, pensamentos claros, idéias concretas, seca, curta e grossa.
Eu (depois de você): sonhadora, esperançosa até certo ponto, simpática, às vezes fofa. Diferente.
Alguns poucos anos mais novo, você realmente não sabe pelo que anseia. Machucado por algum pretérito está bloqueando tudo que há de puro e sincero, está alérgico a amor. Com um pouco mais de idade eu já havia aprendido que não se deve generalizar os relacionamentos e estava preparada tanto para o que eu queria quanto para me decepcionar mais uma vez. E então continuei escrevendo esse maldito teatro. Nós nos fundiríamos quando pudéssemos e eu fingiria não me importar, enganaria a mim mesma. Mas mulher confunde e complica todo tipo de relacionamento e comigo não seria diferente. O ódio que sentia por você se tornaria amor enquanto você continuaria jogando, estagnado e então eu decidisse que você precisaria saber dessa transformação. Eu contaria e você diria ser loucura, que estava fora das regras do jogo, mas ainda assim eu não desistiria.
Enquanto você permanecia intocável eu me desgastava, me cansava em te ter somente como obras da minha imaginação, em te ter somente em sonhos. Eu não era assim e essa mudança estava me esgotando. Decidi desistir.
Decidi desistir e você resolveu mudar, resolveu me procurar, quem sabe mudar. Os diálogos entre nós haviam sido alterados, eu podia notar a diferença, eu podia notar você se aproximando cada vez mais, mas eu já me negava a sentir qualquer coisa. O jogo havia mudado, os papéis se inverteram.
Um teatro mal feito, inacabado, infindável. 

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